domingo, 30 de agosto de 2009

A IGREJA

Nota Histórico-Artistica Antes de a igreja ter sido agraciada com as relíquias da Vera Cruz, recolhidas na Batalha do Salado, assim fazendo com que Marmelar se instituísse como um dos quatro templos do reino onde a memória dessa gloriosa batalha fosse evocada (Sé de Évora, Sé de Lisboa e Matriz de Santiago do Cacém), um longo passado religioso estava testemunhado no local.
São ainda importantes os vestígios de uma construção anterior, catalogada por alguns autores como de época visigótica (ALMEIDA, 1954; HAUSCHILD, 1986, p.168), mas mais recentemente inserida no contexto moçárabe, pouco posterior à conquista islâmica da península (REAL, 1995, p.44; CABALLERO e ARCE, 1995, p.201). Na cabeceira, restam duas capelas quadrangulares cobertas com abóbada em ferradura, que serviram, originalmente, de absidíolos de uma reformulada ábside. Numa delas conserva-se uma janela-nicho de formato semicircular, cuja curvatura é ocupada por concha talhada a bisel (ALMEIDA, 1954, p.7). Pelo local existem outros elementos pétreos decorados com motivos vegetalistas e geométricos, já descontextualizados, assim como pequenos frontões triangulares (em número ainda impreciso), incorporados na parede posterior da cabeceira.
Em 1954, Fernando de Almeida catalogou estes vestígios à luz das dominantes estilísticas visigóticas de Beja, conclusão que teve o seu sucesso nas décadas imediatamente posteriores, em que o foco bejense, estudado por Abel Viana, se relacionava preferencialmente com Mérida. No entanto, a partir de finais dos anos 80 do século XX, tem-se questionado esta catalogação e privilegiado uma via alternativa, um pouco mais tardia e que tem nas comunidades moçárabes um factor preponderante de desenvolvimento. As analogias decorativas das peças de Marmelar com outras das igrejas setentrionais de San Pedro de la Nave e de San Juan de Baños são importantes o suficiente para que se equacione estar perante uma obra estritamente moçárabe.
Em 1240, os hospitalários fundaram a aldeia e terão promovido a conversão do edifício cristão em mosteiro. As obras de edificação do novo conjunto terão ficado terminadas por volta de 1268 (PEREIRA, 1995, vol. I, p.391). A qualidade da obra arquitectónica então realizada é a prova material da relevância desta comunidade para a Ordem do Hospital.
Tipologicamente, a igreja insere-se no grupo de igrejas-fortalezas e as analogias com o templo do Mosteiro da Flor da Rosa foram já evidenciadas (RODRIGUES e PEREIRA, 1986). A fachada principal é flanqueada por duas torres quadrangulares de quatro pisos, que resguardam o portal principal, incorporado em narthex. As fachadas laterais, seccionadas por contrafortes ligados por arcos cegos de volta perfeita, são fenestradas por altas frestas, mais características da arquitectura militar. Paralelamente, o conjunto era rematado por ameias e, na cabeceira, associava-se uma terceira torre, hoje muito transformada. O interior é de nave única de tendência cruciforme, com dois portais góticos entaipados nos braços do transepto inscrito, formando um interior muito amplo.
A estrutura do templo que chegou até hoje data genericamente do período gótico, embora tenham existido obras posteriores, designadamente no século XVII. É a essa altura que corresponde a entrada principal com portal de lintel recto limitado por colunas jónicas e sobrepujado por frontão curvo, bem como as entradas laterais, que seguem o mesmo esquema de portal, porém simplificado. No interior, a cobertura gótica foi integralmente substituída pela actual abóbada de canhão e ter-se-á fechado a capela-mor, construindo-se o actual retábulo de estrutura única na parede e as duas portas de arco de volta perfeita de acesso aos absidíolos.
Sem obras aparentes nos últimos séculos, o complexo de Vera Cruz de Marmelar, que integra também o antigo paço (de origem medieval e convertido em residência particular), permanece como um terreno virgem de intervenções, propício ao desenvolvimento de um projecto modelar a todos os níveis.

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